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A arte do escritor não é só dele

Como escritora, não há nada que eu saiba sobre a minha escrita. Não sei como ela será recebida, como será lida ou interpretada. Como escritora, eu insiro símbolos em uma página em branco e torço para que eu tenha me saído muito bem no que me propus a fazer.

Escrever é tão imprevisível que, às vezes, nós mal sabemos como começamos a escrever o que escrevemos. Acredito que mal tenho controle das minhas próprias palavras, enquanto escrevo. É como se a escrita fosse dona de si mesma, tornando minhas mãos reféns daquilo que elas mesmas trouxeram à vida. É uma relação complexa.


Uma vez que as palavras chegam à superfície, você não pode impedir o derramar delas. É impossível controlar este processo. Então, você senta e escreve. Porque as palavras não esperam por você. Elas querem vir à vida, elas querem mostrar a que vieram. Você não pode impedir a enchente. Precisamos vestir a nossa roupa de banho e aprender a nadar nesta imensa organização bagunçada.


Tenho pensado muito na relação escritor x escrita x leitor porque, querendo ou não, esta relação é perpétua em todo processo de escrita que você possa se encontrar. Você pode colocar as tuas palavras em estruturas, trabalhar ideias de certa forma, mas não há como controlar como a escrita transpassará a barricada entre você e o leitor. Talvez, eu tenha pensado em caracterizar minhas personagens como pessoas altas, mas, uma vez que as minhas palavras estão lá fora, há a possibilidade de que uma personagem alta não faça sentido ao leitor. Então, ele pode pensar “hmm acredito que personagens altas não combinam muito bem, então estou decidindo que elas podem medir menos de um e sessenta de altura”, e não há nada a fazer sobre isso. Literalmente nada. Então, essas são as coisas que acontecem no ofício de ser um escritor e gostar de ser um.


Tenho lido muito e assistido a muitas aulas e palestras sobre processos de escrita e o papel do escritor em sociedade, e cada vez mais chego à conclusão de que somos o que somos por causa dos leitores. Afinal, para que escrever se não há quem leia? Pode parecer óbvio, mas percebo que nós, escritores, podemos nos esquecer disso muito, muito facilmente. Nossa arte não é só nossa. Ela não tem valor se for só para nós. Minha alegria, como alguém que escreve, precisa estar fundamentada na leitura das minhas palavras, também, e no feedback, na crítica, na aclamação ou no fiasco.


Como escritores, precisamos entender que não somos nem o ponto inicial nem o ponto final da nossa escrita. Somos algo ali no meio, algo um tanto quanto indefinido. Somos, talvez, os mediadores entre as palavras e nossos leitores. Acredito que precisamos entender sempre que não somos os protagonistas de nossa escrita. Enquanto escritores, precisamos deixar o ego de lado, porque não é sobre nós. Nunca é. É sobre os mundos que trabalhamos para dar à luz, as vozes que suamos para encontrar o tom certo. É sobre entregar o nosso melhor, sabendo que vamos trabalhar à exaustão, mas entendendo que a nossa escrita tem asas; e que nossos leitores mal podem esperar para atraí-la e abraçá-la como uma amiga que era esperada há muito tempo.

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