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Foto do escritorCecilia Bortoli

Dias vividos na cidade sem número

Ponto Zero

Uma Cidade Sem Número serve como oásis aos habitantes das vilas dos arredores. É um local secreto, escondido pela porta azul instalada no fundo da Estação do Expresso Turístico. Azul é a cor não identificada por oficiais da Guarda da Cidade Oito, para aonde vão as pessoas sem rosto, e por isso a Cidade Sem Número se mantém secreta. Nesse lugar há árvores de tipos nunca vistos, frutas suculentas e doces, animais livres em desenvolvimento, pessoas felizes e uma nova comunidade nascendo, respirando ar puro dia após dia, recebendo novos habitantes que felizmente ali conseguem chegar. É lá que se aprende a viver e a respeitar a vida.

Para entender melhor o valor da Cidade Sem Número, é preciso conhecer a Cidade Oito, que é bem diferente da primeira. Para a Cidade Oito, são levadas as pessoas chamadas desprezíveis dentro dos sistemas das Cidades Um, Dois e Três. Quem passa, escuta um vozerio sombrio que vem de baixo, porque é nos bueiros que jogam as vozes das pessoas que para lá são levadas.

Na Cidade Oito, a compra e utilização de máscaras de madeira são obrigatórias, tampando os rostos e levando a uma consequência horrenda. Parece que se uma pessoa fica muito tempo sem ver um rosto humano, alguns giros cerebrais encolhem e atrofiam, o que pode gerar uma cegueira neurológica, que faz com que a pessoa veja, mas não identifique faces humanas. Então, sem ver os rostos dos demais, os seus próprios se tornam amorfos, viram um amálgama de pele, lábios, língua, pálpebras e pelos, outrora, partes da feição de cada um. Sem rosto, sem voz e com o córtex comprometido, as pessoas ficam isoladas de todos, alheias a si mesmas e condenadas ao inferno da solidão.

Ainda que tudo isso seja evidentemente cruel, alguém poderia pensar que a Cidade Oito precisa existir, como se ela fosse parte de algo vital para um sistema funcionar bem. Alguém diria que ela é necessária para limpar, higienizar os ambientes urbanos daqueles que causam desordem. O que estes não sabem, é que o indesejável não é sempre o outro. O que alguns não entendem é que eles próprios, cidadãos de bem, podem ser os loucos, doentes e inúteis da vez. Quem decide se é bom ou mal é um sistema que prefere aqueles que dão mais lucro a alguns e suas preferências são cada vez mais difíceis de prever. Cuidado. Cada um de nós pode ser o tal marginal enviado à Cidade Oito e supervisionado por enormes e truculentos Oficiais da Guarda. Somos o outro tanto quanto o outro é nós mesmos.

Felizmente, existe a Cidade Sem Número, localizada a uma bolha de distância de qualquer centro das Cidades Um, Dois ou Três. Basta ter coragem de chegar perto do Expresso Turístico — usado pelo governo como meio de transporte das pessoas sem rosto até a Cidade Oito — e passar pela porta azul. Podemos ter fé: a Guarda não enxerga a cor azul, portanto não pode ver a porta. Acreditem, é garantido que uma comunidade de Seres Humanos acolhe quem quer que chegue à Cidade Sem Número.


Diário de um Sem-rosto
  • II de novembro de MMMVIII.

Resolvi começar um diário. Preciso voltar a escrever, agora que consigo enxergar e falar! Voltei a ver depois de algumas semanas aqui na Cidade Sem Número e, então, uma equipe de resgate foi até os bueiros da Cidade Oito recuperar a minha voz e a de mais alguns sem-rosto que também chegaram aqui no mesmo período, comigo.

Viemos juntos, eu e os outros três sem-rosto, que agora descobri que se chamam Danilo, Ana Júlia e César. São três irmãos. É impressionante como conseguiram não se separar mesmo com toda a dilaceração pela qual passamos na Cidade Oito.

Eu mesmo não me lembro como me chamava. Passei muito tempo naquela prisão. Aqui, as pessoas me nomearam Renato, uma sutil homenagem ao meu renascimento na comunidade. Adotei como nome, mas rogo para um dia conseguir me lembrar de como realmente me chamaram meu pai e minha mãe. Rezo para lembrar-me deles, de seus rostos, e do que foi que aconteceu quando eu era um cidadão da Cidade Dois.

Mais tarde vai acontecer uma confraternização com todos por aqui! Vamos receber três pessoas de outro grupo com quem mantemos contato, da região Vila Suja, que não fica muito distante. Pergunto-me o porquê do nome... E estou ansioso por conhecer mais pessoas!

Por hoje é isso. Já me chamam para terminar meu trabalho. Aqui eu sou auxiliar de carpintaria e construção, temos muitas tarefas construindo novas moradias para todos os que estão chegando.


  • III de novembro de MMMVIII

Hoje chegou uma nova pessoa, Mariana! E ela ainda tem rosto e voz! Ela veio direto da Cidade Um, parece que pegou o Expresso Turístico por engano, no lugar da condução habitual que a levaria para o trabalho. Ela conseguiu escapar dos oficiais da Guarda, mas não explicou bem como o fez. Mariana está confusa, ferida e com muita fraqueza, três sintomas comuns a todos os que chegam por aqui. Precisamos alimentá-la e cuidar de suas feridas nas pernas, que podem ficar graves. Tenho certeza que depois disso — e logo! –— ela poderá contar toda sua história.

A festa ontem foi maravilhosa! Conhecemos as pessoas da Vila Suja e aprendemos a origem desse nome engraçado. Acontece que a cidade é rodeada por um imenso pântano, que protege a vida natural de lá. Quem entrar na vila estará sujo de lama!

A Vila Suja fica perigosamente perto da Cidade Oito, mas não pode ser encontrada por oficiais da Guarda, que têm medo da lama gelada do pântano. Pode parecer estranho, oficiais com medo... Suspeitamos se o pavor vem de algum trauma, efeito colateral do treinamento secreto que recebem. Ou, como são todos extremamente enormes e carregam artilharia pesada, de fato, poderiam atolar facilmente na lama e, então, evitariam o local por sobrevivência própria. Quem sabe.

Queria entender melhor esse medo dos oficiais da guarda... Mas já escrevi muito por hoje. Estou exausto, preciso descansar.

É tarde da noite, mas voltei ao meu diário, porque estou ansioso. Mariana não para de delirar. Ela só fala de sua amiga Amélia, entre murmúrios e gritos, disse que precisa escrever para ela urgentemente. Eu vou ajudá-la! Vamos começar a escrever cartas para Amélia agora mesmo.

Vou tentar traduzir seus delírios em palavras que poderiam ser dela. Espero poder ajudar, ainda estou enferrujado na escrita, mas não posso deixá-la fazer as cartas sozinhas, porque suas mãos estão feridas.

Se existe um Deus em algum lugar, que me ajude agora!


  • IV de novembro de MMMVIII

Enviamos a primeira carta para Amélia ontem. Mariana dormiu com sono pesado depois que viu a carta ser levada e hoje cedo me agradeceu com sinceridade. Eu senti algo diferente, parece que meu peito se abriu levemente, minha postura está mais ereta do que antes.

Nosso plano deve funcionar, pois, por meio de cartas, conseguimos nos comunicar com quase todas as cidades impregnadas e há quem consiga saber da gente por lá. É preciso cuidado, mas temos a vantagem de sermos considerados lenda nas três metrópoles. Aos poucos, ficamos cada vez mais perto das três primeiras cidades e, com isso, temos conseguido resgatar mais pessoas.

Mariana é muito bonita. Acho que um dia eu tive um casamento com uma mulher bonita como ela, mas não consigo me lembrar de muita coisa.


  • V de novembro de MMMVIII

Cada dia é único. Alguns são mais difíceis que outros.

Tivemos mortes de animais, algumas aves. Isso acontece especialmente com animais que vêm de outras regiões e chegam intoxicados nas nossas terras. Não sabemos ainda o que pode ter sido.

Os mais experientes discutem se deve haver algum animal desconhecido pela floresta, ou se podemos estar sofrendo com pequenas impregnações químicas remanescentes. Isso acontece de tempos em tempos, quando é época de novas eleições nas três metrópoles e o governo acentua a intoxicação.

Para proteger nossos ares, plantamos árvores gigantes nos principais pontos de contaminação e elas dão conta de filtrar tudo — ou quase tudo — e no geral estamos a salvo. Pobres aves, que podem ter vindo de outro lugar e escolheram nossa terra para morrer.

Nossa terra... Aqui é um território que tomamos por nosso, porque o utilizamos e dele cuidamos. Já estamos atingindo nossa lotação de pessoas. Não podemos ampliar mais a comunidade e as novas vinte casas que estamos construindo serão as últimas, por enquanto. Porém, como a Vila Suja está mais vazia, conversamos sobre a possibilidade de encaminhar pessoas que por acaso cheguem à Cidade Sem Número para a Vila Suja e, para isso funcionar, vamos manter comunicação por meio de sinais de luzes e sirenes. Haverá uma equipe formada por aqueles entre nós que estão acostumados a andar por aí sem deixar rastros para a Guarda durante o deslocamento das pessoas recém-chegadas, porém já fortalecidas, de um local para o outro.

A comunicação é uma coisa interessante da nossa vida por aqui. Nossas sirenes não podem ser ouvidas por oficiais da Guarda, que têm suas orelhas entupidas com piche e cera de velas. Aliás, estávamos especulando outro dia e suspeitamos que seu medo da lama pudesse vir da sutil semelhança desta com os fluidos que foram colocados a força em suas orelhas.

Os oficiais também têm uma placa de metal costurada na nuca que os impedem de olhar para cima. Dessa maneira, são obedientes, sem horizontes e, para a nossa sorte, perdem a possibilidade de ver nossos sinais de luzes jogados aos céus.

Conversei com o César esses dias e ele disse que sabe tocar didjeridu, um tipo de berrante, instrumento antigo que parece que foi usado por povos originários de um território distante. Pensamos em incorporá-lo à nossa comunicação, mas por hora é impossível, porque precisamos fabricar alguns, aprender a tocá-los e estamos sem tempo, devido à finalização das casas.


  • VIII de novembro de MMMVIII

Mariana está atormentada por sua amiga Amélia. Ela quer realmente que ela venha para cá, mas teme que a amiga não acredite em sua carta, pense ser alguma armadilha.

Mariana e Amélia pertencem a um grupo na Cidade Um que possui consciência sobre o que se passa. O grupo é formado por muitas pessoas e começou com duas cientistas que agora estão distantes de nós, mas que há tempos descobriram o segredo da impregnação. Elas apontaram quais as principais fontes da contaminação que entorpece as pessoas e publicaram no jornal.

As cientistas foram duramente reprimidas pelos agentes do governo, que lançaram pesquisas falsas. Tais pesquisas funcionaram como notícias cheias de mentiras, com o intuito de fazer parecer que toda a verdade revelada por elas era falsidade. Então, as duas cientistas precisaram sair da cidade. Elas foram as primeiras do grupo a encontrar uma comunidade de resistência e mandaram notícias uma única vez, mas não se sabe sobre elas atualmente. Acreditamos que, se estiverem vivas, estão em algum dos territórios que ainda não conhecemos.

Por aqui, quem sabe, talvez um dia chegue Amélia. Eu gostaria que isso acontecesse, porque Mariana ficaria mais feliz.


  • X de novembro de MMMVIII

Chegou mais uma pessoa na nossa comunidade hoje! Uma mulher de uns 50 e poucos anos, abatida e com sinais de espancamento. Tivemos que cuidar muito bem dela, que até o momento não nos disse nada. Ela balbucia uma e outra palavra, mas até agora ninguém conseguiu entender o que significa, nem se ela fala nossa língua.

Seu estado é impressionante. Ela parece ter os dentes quebrados, os lábios cortados, não tem algumas unhas, seus olhos estão muito roxos, o couro cabeludo aparece entre fios de cabelo que restaram de possíveis torturas. Alguns de seus dedos foram quebrados e ela apresenta hematomas no corpo todo. Por sorte, as costelas estão inteiras, mas não temos como garantir que não foram trincadas, então ela vai ficar de repouso. Parece ter fome, mas a comida precisa ser pastosa nesse momento. Vamos precisar esperar que os ferimentos da boca e mãos se curem, para que ela possa se comunicar conosco.

Seu estado físico me lembrou dos Guardas. Minha memória dos meus tempos na Cidade Oito é fraca, mas tive flashes de cenas de violência quando vi aquela mulher. Lembrei do medo que sinto deles. São extremamente truculentos, acho que passei por agressões horríveis. Curiosamente, ao mesmo tempo em que me aterrorizam, deles eu sinto pena. Queria saber como o Grande Governo consegue seres humanos tão enormes e como os treinam. Acho que eles passam por modificações genéticas, porque são verdadeiros gigantes e extremamente fortes.

Minha maior esperança é que os próprios Guardas se curem. Aqui nós poderíamos desentupir suas orelhas e retirar a placa de metal. Aposto que seriam pessoas diferentes assim. Mas é evidente que por hora isto é impensável e perigoso.

Há gente sofrendo por todos os lados. Queremos muito trazer mais e mais pessoas para nossa comunidade ou para aquelas dos arredores, mas precisamos de mais conhecimento sobre os outros grupos que nos cercam. Hoje, sabemos da Vila Suja, do Bairro Salgado e suspeitamos de mais três que ficam distantes, com os quais ainda não conseguimos contato direto.

Espero que nosso círculo cresça mais e que em breve sejamos numerosos o suficiente para impedir as ações do Grande Governo nas três primeiras cidades.

Antes de ir dormir, queria registrar uma última coisa no meu diário: a lua está maravilhosa e enorme!


  • XV de novembro de MMMVIII

Hoje foi dia de festa!

Nos últimos dias não pude escrever, pois trabalhei intensamente! Conseguimos adiantar bastante as moradias novas. Agora, o pessoal está reunido ao redor da fogueira, contando histórias da vida, de conflitos em suas cidades de origem e de casamentos felizes.

Marta, a mulher que chegara há alguns dias, conseguiu nos contar um pouco sobre si. Disse — com a boca ainda inchada e palavras um pouco tortas — que seu marido se chama Helio e que tem uma filha, Ana. Ela chorou enquanto contava sua história, porque sua família era muito feliz e unida, mas ela foi perseguida pelo Grande Governo por causa de sua atuação no Hospital Geral.

Parece que o Hospital fora tomado pelo Governo, que oferecia tratamentos falsos para as pessoas. Os tratamentos poderiam ter severos efeitos colaterais, como fraqueza, tontura e confusão mental, o que tornaria a população ainda mais fácil de manipular. Marta conseguiu perceber tudo e começou a agir contra essa atitude, mas foi descoberta e capturada. Torturaram-na.

Por sorte, alguém a ajudou a escapar e ela foi encontrada por uma de nossas expedições de resgate. Ela chora por sua filha e seu marido, que ficaram e podem ser perseguidos. Disse que sente culpa por tê-los colocado em risco.

Mariana replicou que uma hora ou outra, isso aconteceria. Que Marta não deveria se sentir culpada por ter agido contra a toxicidade compulsória que o Grande Governo impõe a seus cidadãos.

A turma recém-chegada ficou agitada nessa hora e quis sair para uma guerra. No entanto, aqueles que estão aqui há mais tempo, lembraram que não é hora. Infelizmente, agora não temos estrutura sequer para mais uma busca, o que dirá para um conflito contra as poderosas armas de massacre que a segurança das grandes cidades possui. Todos nós teremos que esperar.

Reparei que Mariana deixou cair algumas lágrimas. Estaria pensando em sua amiga, Amélia? Ou somente emocionada com o relato daquela mulher? Ou ela teria mais alguém com quem se preocupar?

As lágrimas de Mariana me fizeram ter certeza de que já fui casado. Acho que, na última vez que vi minha esposa, ela chorou. E é por isso que hoje, nessa noite, gostaria de dormir e sonhar com minha esposa. Gostaria de saber mais sobre mim, sobre ela. Ainda sou um mistério para mim mesmo.


  • XVI de novembro de MMMVIII

Eu não sonhei com minha esposa. No lugar disso, sofri um pesadelo em que placas de madeira grudavam no meu corpo. Eu fugia de gigantes que corriam atrás de mim com armas desconhecidas, ao passo que ouvia gritos sob meus pés. Eu via sangue, meu sangue, escorrendo de minhas orelhas e das pontas dos meus dedos das mãos.

No terrível sonho, eu corria mais do que podia aguentar, até que gritava um berro visceral. Infelizmente, o urro foi real. Eu despertei, ao mesmo tempo em que acordei algumas pessoas, Ana Júlia, Danilo e César. Os irmãos são meus vizinhos e decidiram me contar que eles já perceberam que tenho terror noturno. Eu não sabia.

Detestei a minha madrugada, não gosto de dar preocupação para os outros. Precisei tomar um banho logo cedo, pois acordara com os cabelos grudados no meu rosto e dores nas costas. Meus joelhos, que sempre incomodam, pareciam inchados.

Sou um homem jovem, acredito ter uns 35 anos, mas meu esqueleto parece envelhecido. Precisei visitar os cuidadores daqui por causa de toda a situação. Os cuidadores são médicos, enfermeiros ou curandeiros e disseram que posso ter artroses e ossos que foram quebrados e mal grudados. Dizem que podem ser efeitos das torturas que sofri ou, ainda, danos provenientes da minha atividade laboral antes de ir parar na Cidade Oito.

Quanto ao terror noturno, me receitaram chá, paciência, tempo e disseram para procurar o centro de apoio para os recém-chegados.

Eu decidi trabalhar.


  • XX de novembro de MMMVIII

Hoje ajudei Mariana novamente. Ao longo do dia, nós escrevemos outra carta para Amélia. Parece que Mariana estava certa, Amélia não quer acreditar na gente. Fico triste pela tristeza de Mariana. Ela está aflita, mas já consegue se concentrar em atividades na nossa comunidade. Ela parece ser muito boa com plantas e está dando uma força e tanto na horta. Ganhei um pacote de chá para tomar antes de dormir. Decidi tomar, não pela orientação dos cuidadores, mas pelo presente.

Eu queria poder amar alguém. Queria saber se amo minha esposa, de quem não me lembro. Queria sentir o que Mariana sente por sua amiga, Amélia, mas parece que ainda não consigo. Algo acontece conosco ao ficar tanto tempo na Cidade Oito e é lento para recuperar. Os sentimentos ficam perturbados.

Gostaria de me lembrar mais da minha história. Desejo ser sincero, justo comigo mesmo. Não sei quem eu era antes da Cidade Oito e estou me redescobrindo agora. Ao menos, uma coisa que sei é que gosto de escrever no meu diário e também de ajudar Mariana com as cartas. Espero verdadeiramente que Amélia encontre seu caminho para cá.


Finais Abertos

A vida seguirá na Cidade Sem Número, bem como no Bairro Salgado e na Vila Suja e assim deve ser também nos outros locais ainda secretos. Por hora, isso é tudo o que se sabe.

É certo que as pessoas da Cidade Sem Número, Vila Suja e Bairro Salgado mantêm contato pessoalmente algumas vezes ao ano e por sinais de luzes e sirenes quase todos os dias. Cada vez um número maior de pessoas poderá chegar até esses grupos e, aos poucos, serão tantos que não haverá mais possibilidade de dominação para o Sistema do Grande Governo das três primeiras cidades.

Lá, nas Comunidades de Resistência, as crianças crescem sem terem suas veias bloqueadas por violência nem padrões de comportamento viciados e, portanto, podem sentir amor por si próprias. Aqueles que assim crescem não murcham facilmente, se tornam adultos notavelmente fortes e resistentes.

Como uma nova floresta que nasce das cinzas, crescerão as novas pessoas e se recuperarão aquelas que chegarem adultas e machucadas. Os novos seres humanos, tão mais fortes quanto mais sensíveis, serão numerosos em comunidades recém-formadas e plenas como os enormes jequitibás. Vão se tornar gigantes, para fazer sombra para as outras que certamente chegarão. E assim é que se pode dizer que a vida continuará.


Texto de Cecilia Bortoli



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