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Um desabafo em zigue-zague sobre perfeccionismo e manuais de técnicas literárias

Atualizado: 28 de mai. de 2020


Quando me descobri pelos caminhos da escrita, não havia projeto que eu não começasse. Fosse de simples personagens que surgiam na minha cabeça aleatoriamente a ganchos mirabolantes de histórias ainda para serem contadas, eu escrevia de tudo – mas nunca sabia para onde estava indo, pois jamais terminava qualquer coisa. O motivo era simples, até: saber como começar uma história é uma coisa, agora, como finalizá-la é outra completamente diferente. Eu meio que sofria desse mal.


Com o passar do tempo e inúmeros trabalhos inacabados depois, lembro-me vivamente do dia em que li um post de um especialista a respeito de como se dá o curso da escrita ao longo dos anos na vida de um escritor, e entrei em uma paranoia de que eu precisava melhorar meu estilo, e precisava aprender a terminar meus ciclos. Comecei a procurar dicas, posts em diversas plataformas, livros específicos de técnica, tudo que pudesse lapidar minha forma de contar histórias... Foi aí que eu fiquei uns bons dois anos sem escrever, já que, segundo tudo que eu lia, nada do que produzia parecia ser o suficiente ou, pelo menos, razoavelmente aceitável para ser lido (digam olá ao meu amigo de longa data, o perfeccionismo).


Em algum momento, você aí que lê este post já deve ter se deparado com livros de técnicas literárias, que prometem te ajudar a planejar seu livro, a encontrar seu estilo próprio, a construir cenas e diálogos. Se você tem contato com outros autores, sabe também da fama desse tipo de literatura: definitivamente, é um ame ou odeie.


Esses livros são divisores de opiniões, e o que baliza a aversão de muitos é o fato de potencialmente limitarem a criatividade do escritor. Eu diria que concordo em partes com essa afirmação.


É possível que tentem argumentar esse meu “em partes”, já que eu passei por um período improdutivo logo depois de ter buscado o apoio dessas fontes para aprimorar minha escrita e, como ficou claro, ter falhado. Mas é precisamente olhar para esse hiato em minha atividade literária, agora, anos depois, que me faz ponderar a respeito de algumas coisas.


A primeira delas é o tempo em que o caso ocorreu: eu ainda era nova em tudo aquilo. Não havia passado pela faculdade, só sabia da minha vontade imensa de escrever – e escrevia tudo, da forma que vinha à cabeça, sem planejar ou moldar dessa ou daquela forma para que fizesse mais sentido no panorama geral da história, o que fazia com que a qualidade do que eu produzia não fosse lá essas coisas por um fator crucial: consistência. Na época, é claro, eu não sabia disso, pois me parecia muito bom, obrigada.


E é aí que acredito que entre a questão de que a criatividade passa a ser limitada por esses livros: você quer fazer do seu jeito, e acaba mesmo fazendo. Daí se depara com a técnica dita como “correta” e sente que é obrigado a se encaixar naquele padrão para que seu projeto seja bom. Mas não é exatamente assim. Na verdade, é uma questão de perspectiva.


Como tudo na vida, existem os dois lados da moeda: a escrita também é um universo próprio com suas especificidades. Todos sabemos que uma história precisa de início, meio e fim. Mas o que acontece entre uma parte e outra? Como saber a melhor maneira de contar uma história? E, se sou eu quem a conta, o final precisa ser realmente no fim?


Esse é o cerne da questão: esses livros servem para lhe mostrar todo o outro lado mais prático da atividade literária que, pasmem, não é só sentar e escrever. É entender que há regras para a construção de um projeto (seja ele um conto, um romance) e que, a partir do conhecimento dessas regras, de trabalhá-las inúmeras vezes, você vai descobrir como moldá-las em algo que só você poderia pensar.


Na época, eu não estava muito preparada para entender que há muito mais por trás da escrita do que ela deixa mostrar aos olhos. Que há um trabalho árduo de escrita e reescrita até que finalmente se chegue a uma obra que possa ser vista – e que, na verdade, a perfeição não surge logo na primeira vez em que você senta e escreve. Talvez seja esse o “problema” com os manuais técnicos: eles quebram a ilusão do escritor de que tudo parte de sua própria cabeça, e de que tudo fica bom e perfeito de primeira.


Não me entendam mal. Não digo que quem deseja escrever deva se ater unicamente a esses livros para colocar seus projetos em prática, porém eles servem como um ponto de partida para que você não se sinta tão perdido, para que consiga ver para onde está indo com sua história e não correr o risco de perder uma ideia incrível por não conseguir finalizá-la ou desenvolvê-la.


Enquanto escritor, é necessário ter a consciência de que esses manuais técnicos de escrita devem ser um auxiliador na sua jornada, e não o único norte de sua bússola – ou então você pode cair no conto de que o que escreve não é bom o bastante. Mas também é preciso compreender o que está por trás da criação de uma cena ou um diálogo, da estruturação de uma história para então subverter o que conhece e transformar em algo próprio. Para quebrar as regras é preciso conhecê-las, certo? Na escrita não poderia ser diferente.


Aí estão os dois lados da coisa: a consciência de que se precisa desse tipo de conhecimento e de que é você que estipula até onde vai empregá-lo em seus projetos, ou, claro, transformá-los em algo novo. O equilíbrio é a chave. Conheça a técnica, teste-a e então compreenderá que existem inúmeras possibilidades de como poderá entregar sua história. Nesse sentido, a consciência de quem você é como escritor também é importante. Saiba até onde ir com a técnica, mas não se pressione para ser perfeito. Não caia na ilusão de que o que você não escreve não é bom o bastante por editar ou cortar alguma coisa. Parte do processo de finalizar seus ciclos é deixar certas partes para trás.


Em vez de limitar, o método, se olhá-lo por outras lentes, abre diversos caminhos para que você encontre a melhor forma de contar aquilo que está em seus pensamentos. Cabe a você escolher o melhor caminho e a usar dessas regras a seu favor, e não como um limite que não deveria transpassar. A beleza da literatura é essa: as possibilidades são infinitas.

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