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A mulher na ficção científica: uma breve introdução

É uma verdade universalmente conhecida que a representação feminina na ficção especulativa foi moldada pelo olhar do outro. Nunca das mulheres. E é uma verdade ainda mais conhecida que, infelizmente, ainda temos que lidar com uma representação sexista, racista e classista em parte (na maioria?) das obras.


Com o objetivo de (tentar) minimizar os danos aos quais fomos submetidas, começaremos uma série sobre as mulheres na ficção especulativa, discutindo o panorama histórico do gênero literário e outras questões que acreditamos ser parte insubstituível da tentativa de proporcionar uma leitura e escrita fiel às mulheres que buscam sua própria voz. E aí, podemos?


No politeísmo grego, Gaia, ou Terra, é a primeira entidade feminina, designada como a representante da vida e da fertilidade, conhecida como a mãe dos Titãs, os primeiros seres. Na mitologia grega, Pandora é considerada a primeira representação feminina da história. Como punição a Prometeu por ter roubado o fogo, Zeus utiliza Pandora como objeto de vingança ao primeiro homem a habitar a Terra. Na cultura judaico-cristã, temos a figura de Eva, condenada como responsável pela queda da humanidade, após comer o fruto proibido e entregá-lo a Adão, seu companheiro.


Consegue enxergar um padrão? As mulheres, desde o princípio, tinham dois papéis fundamentais: geradoras de vida ou causadoras de problemas. Embora a representação de Gaia seja fortíssima (para quem?), afinal, toda vida vem dela, sua imagem não foi construída com a mesma força que a imagem de outros deuses e titãs. Temos, então, uma perpetuação da representação dessas mulheres como objetos, sujeitos aos quais é atribuída imensa carga negativa, mas também como pessoas subjugadas com o passar do tempo.


Obviamente, considerando o histórico aqui descrito, as mulheres na ficção não seriam poupadas de tais estereótipos. Nos primeiros registros das literaturas dos povos, mulheres eram vistas como meros objetos de desejo ou de satisfação para os homens. Eram ou inteiramente santas ou terrivelmente profanas. Ou “anjos do lar” ou ‘libertinas”. Nunca mulheres, mas projetos do imaginário masculino sobre quem a mulher deveria ser.


Se voltarmos um pouquinho ao Romantismo, observamos como a mulher era a soma de tudo o que, para os homens, seria o ideal: por um lado, bela, delicada e perfeita; mas por outro lado, voluptuosa, sedutora e extremamente carnal. Eram características delimitadas como contrapostas, forçando a concepção de que mulheres não poderiam ter seus próprios desejos, apenas serem desejadas. Nunca mulheres com falhas, mas imaculadas. Mulheres reais não tinham espaço algum na construção da literatura. Portanto, as mulheres seguiam sendo representadas como anjos, vampiras, bruxas ou fadas. Nunca (apenas) mulheres.


Infelizmente, temos carregado o peso dessas narrativas até hoje. Quantas vezes nós, mulheres, desistimos de consumir uma obra por não nos enxergarmos reais e inteiras ali?

Às vezes, sinto que estamos encurraladas em um labirinto onde não conseguimos visualizar aquela luzinha no fim do túnel capaz de nos proporcionar alívio. E estamos cansadas dessa estrada. Exaustas. Mesmo com todos os avanços que a luta feminista nos proporcionou, ainda precisamos respirar fundo quando pensamos em escritores que moldam mulheres de maneira desproporcional à realidade.


John Green, autor norte-americano, cria suas personagens com uma aura tão fantasiosa que chega a beirar o absurdo. Todas se encaixam no conceito de manic pixie dream girl, garotas que só fazem sentido no ideal masculino. Elas não têm características substanciais porque só estão na narrativa para ajudar os protagonistas, sempre homens, na busca de sua grande missão na Terra. São mulheres inteligentes demais, excêntricas demais, independente demais, mas só até onde o autor quer que elas sejam.


Temos aí algo a escavar, não acha? Buscar a identidade de mulheres reais e dar a elas o espaço que merecem será nossa grande missão neste blog. Iremos desmistificar o papel da mulher, seja ela autora ou personagem, no universo da ficção especulativa, dando a largada nesta série de artigos sobre a realidade sem idealizações sobre quem a mulher pode e quer ser na literatura e, também, fora dela.


Vamos juntes?

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