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Porque "Não verás país nenhum" é importante para o momento do país (e por que você deveria lê-lo)

Queimadas incessantes. Cidades cobertas por fuligem. Silêncio dos governantes e das grandes mídias. Para muito além do caos vivenciado dia a dia pela pandemia da covid-19, vivemos um outro cenário ainda mais assombroso: nosso pantanal está em chamas. E pouco se fala a respeito – ou, pelo menos, quem deveria dizer algo distorce os fatos ou simplesmente ri.


Ver esse tipo de silêncio em relação àquilo que é extremamente importante para o país já seria assustador por si só, não fosse a leitura de um livro que, todos os dias, deixa de ser uma mera possibilidade e passa a ser algo real: Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão, publicado em 1981. Não deixe a data te enganar, esse livro não poderia ser mais atual.


Nessa obra distópica, acompanhamos a vida de Souza através do seu dia a dia na grande São Paulo de futuro não determinado, mas, indubitavelmente, inóspito: há pessoas de mais e comida e água de menos; calor insuportável que não dá trégua, pois há anos não se vê uma gota de chuva. Fora os bolsões de calor que, em determinadas horas do dia, têm a capacidade de incinerar qualquer coisa que esteja dentro deles devido às elevadas temperaturas.


Não se pode ser contrário ao governo e os cidadãos vivem praticamente num torpor induzido. Cientistas foram caçados e a própria ciência passa a ser uma piada. O ensino é puramente técnico e já não existem mais livros. O próprio Souza fora professor de História uma vez, mas isso em um passado distante – em que existiam empregos reais. Agora ele trabalha num emprego medíocre, fruto de uma falsa necessidade.


Nesse cenário, a Amazônia não é nada além de um grande deserto que fora repartido inúmeras vezes até se tornar uma terra árida – e houve festa por parte das autoridades quando isso ocorreu, já que, com esse fato, o Brasil possuiria o maior deserto do mundo. A história acabou sendo escrita de uma forma favorável.


Por conta disso, os alimentos tiveram de passar a ser feitos em laboratórios, e a água não era nada mais que o tratamento da urina de todos os cidadãos. Aqui, só se teria acesso aos bens naturais escassos quem pudesse de fato pagar por eles.


Souza, que antes se via condicionado a sua situação como todos os outros, agora é obrigado a se deslocar em meio a todo esse caos por um simples motivo: um buraco que surgiu na palma de sua mão, de origem desconhecida. Poderia ser algo banal se esse furo não o tivesse colocado na categoria de “deformado”, como a sociedade via. Por consequência, perde seu emprego, a esposa e até mesmo a moradia.


O problema é que esse furo vai muito além de uma mudança física: algo se transforma na mente de Souza. Os questionamentos e o senso crítico de outrora começam a, pouco a pouco, transpor o véu da sedação que antes lhe cobria a mente. Com isso, Souza se aproxima daqueles à margem da sociedade e vê que, para muito além do assombro que São Paulo se tornou, existe muita coisa pior ao seu redor.


Por meio dessas situações que o protagonista acaba se colocando, somadas ao pano de fundo desse país às avessas, Loyola nos faz refletir sobre noções de futuro, bem como o impacto de problemas ambientais – no que, aliás, foi pioneiro: pouco se falava a esse respeito no brasil na época do lançamento do livro. Em nossos dias, convivemos com a realidade triste de diversos desastres causados pelo homem.


O autor também nos instiga a refletir a respeito dos perigos de uma população que não é estimulada a buscar conhecimento e a pensar por si só, e as consequências da má escolha de políticos que não se importam com preservação ambiental ou direitos humanos básicos, e cujos interesses financeiros estão acima de toda uma população.


Embora lançado há décadas, não poderíamos ver mais paralelismos entre as páginas de Não Verás País Nenhum e a realidade em que vivemos. A obra conta com um texto carregado, que te faz sentir não só a secura desse lugar, mas também o desespero de uma sociedade estagnada e com pouca perspectiva de mudança. Contudo, é uma leitura necessária.


É assustador, sim, pensar que podemos estar caminhando para aquele Brasil desolado de lá. Mas, para muito além do medo suscitado pela descoberta, que a tomemos como um aviso: ainda há tempo de mudar a história.


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