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Sonho com a FLIP - Nathália Rinaldi

Atualizado: 30 de mar. de 2020

Texto de Nathália Rinaldi.

Foto: Nathália Rinaldi

É nela que me apaixono, que mergulho em mares tão azuis, que criativo e expando. É ela o cenário de um sem número de aventuras que vão do artístico ao sexual, do meditativo ao conflituoso.


A Flip pulsa.


Começou em 2003, para o mundo.

Para mim, em 2017, com uma ocasião especial inclusa: era lançado o livro “dois irmãos: roteiro da série”, no qual fui assistente de produção. Minha primeira experiência de destaque no universo editorial e de roteiro. Tal glória foi o motivo da ida à Paraty e foi em torno dela que tudo girou. Não tive, ali, por isso, a dimensão exata de uma Flip.


Quem foi em 2003, também não teve a dimensão exata de uma Flip, visto que ela foi realizada apenas no sobradinho da casa de cultura de Paraty. Mas logo na edição seguinte: 12 mil pessoas! Em 2019, finalmente, foi chegada a minha vez de fazer parte desse cosmo! Vivi, nas andanças, os prazeres. Dos livros, dos gostos, dos cenários, dos cheiros, das expressões, dos toques, das línguas e sotaques, dos tropeços, das cachaças, das descobertas.

A 17ª edição da festa teve como homenageado o escritor Euclides da Cunha. Os nomes das mesas do evento oficial foram frutos de uma pesquisa da curadoria para dialogar com o universo da obra do autor: Canudos, Sincorá, Jeremoabo, Cocorobó. Exaltar o nordeste no atual contexto político e social mostrou que era hora de, mais do que discutir literatura e arte, discutir o brasil. Sedenta pelos jorros Flipianos, eu seguia com meus caderninhos, lápis e câmera fotográfica.

Foto: Nathália Rinaldi

Ainda assim – e apesar dos esforços realizados nas últimas recentes edições –, a Flip se mantém como um evento elitista no que diz respeito ao acesso e hospedagem, ao público presente e ao corpo de artistas convidados. É aos poucos que o evento vai se propondo a ser menos do mesmo, eu penso. E espero. Em 2017, apenas 30% dos autores convidados foram negros. Quem mais rápido se adapta e aponta os rumos progressistas somos nós, o público geral: dos 5 autores mais vendidos em 2019, 4 foram negros e 1, indígena! A última edição contou com 24 autoras mulheres e 18 autores homens em seu programa principal. Visibilidade importa. A diversidade dos palcos, enfim, começa a expandir o alcance do evento. Nesses passos, ainda pequenos, reside muita força e potência.


Meu olhar caminha e busca histórias, busca o sonho de chegar a um daqueles palcos. Até que encontra juliana leite, escritora que venceu o 15º prêmio Sesc de literatura. Juliana, cria da mesma serra e da mesma UERJ que me formaram. Num encontro, num diálogo, num abraço, me acho. As dimensões se misturam para confirmar possibilidades: essa é a Flip dos sonhos.


A programação paralela e das casas parceiras, principal atrativo para mim e para muitas outras pessoas, revolucionaram a Flip. Essa edição, em especial, contou com um cenário político extremamente movimentado. Paraty vivia uma eleição fora de época: prefeito e vice-prefeito tiveram seus mandatos cassados por abuso de poder. É preciso também dizer que a cidade figura nas pesquisas como uma das mais violentas do estado. “os costumes, os medos, a vida e a morte”. Euclides da cunha se fez vivo. Conflitos entre o bairro dos pescadores e o centro histórico de Paraty expuseram a necessidade de fazer com que arte e política dialoguem, de se alcançar um discurso mais inclusivo e universal. Se o pessoal já é político, que dirá a arte. Relembro trechos de os sertões e anoto as partes que compõem o livro: a terra, o homem, a luta.


Os temas do escritor homenageado envolviam violência, poder, política, estado, pobreza, território, opressão, intolerância, preconceitos e estiveram presentes por todas as ruas de Paraty, sendo retomados e atualizados. Fica-se sem saber onde pousar a atenção, os olhos e até o coração. Cada esquina reserva uma um encontro; os cenários, memórias imaginadas. É a riqueza da Flip, inebriante, em 5 dias de exaltação da literatura, do pensamento, da escrita, da palavra, da crítica, da educação, da arte. Na praça, sento e tento acompanhar num telão as mesas que ocorrem dentro do auditório da matriz. Bebo água e me distraio. Nas casas parceiras e pelo caminho, brindes, promoções, apresentações musicais, circenses, debates, filmes, atrações estrangeiras, exposições artísticas, batalhas de slam. Ufa!


Foto: Nathália Rinaldi

O famoso torneio de poesias faladas, o slam, chegou ao palco principal da Flip pela primeira vez em 2019. Nas ruas, as batalhas ganharam atenção até dos moradores locais. O slam da Guilhermina apresentou, na Flipei (festa literária pirata das editoras independentes (!)), performances de poetas mulheres que arrancaram gritos e lágrimas de uma variada plateia. Eu anotava referências e chorava quietinha com um poema que falava da faca que corta, pensando no que preciso cortar e naquilo tudo que me cortam todos os dias. A competição, aqui, acaba sendo uma desculpa para que se dê atenção à poesia, para que trabalhemos o olhar poético em cima de toda e qualquer questão, para que soltemos o grito em nome do que vale a nossa poesia. E ela vale tanto...


Durmo pouco nos dias em que estou em Paraty. É o cansaço de andar pelas calçadas de pedra que me vence. A riqueza de referências, a pluralidade de linguagens, as infinitas possibilidades, os encontros e conexões me fazem mergulhar em camadas ainda mais poéticas de nossa existência. Como viver sem poesia? Como viver sem literatura? Entrelaço linguagens para me colocar presente em cada pedaço do evento que acesso – quero estocá-lo para o depois. A Flip me desperta potenciais e eu já penso em me aconchegar para deixar transbordar o que tanto está sendo fermentado cá dentro. O corpo sente, desperta e sonha uma vez mais.

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